domingo, 14 de abril de 2013

Além de Anjo

Três batidas na porta, o toque já conhecido da campainha e ela entrando correndo casa adentro. Parece um furacão. Derruba um copo, escorrega na água que molhou o chão e cai, com sorte, sobre o pufe que está encostado na parede. Levanta-se, pragueja algumas coisas que não entendo e, quando peço pra se sentar, me manda à merda. Diz que está nervosa mesmo e que não quer se acalmar. Brigou com o novo namorado. Entendo.

Espero uns dez minutos até que realmente possamos conversar. Depois de xingar o cara de tudo quanto é nome, me conta que descobriu algumas mentiras. Eu já menti pra você, digo. Ela ri, diz que é diferente. Eu sou seu melhor amigo, posso até mentir às vezes se não fizer mal. Mas que iria cobrar explicações. Agora, ele era o cara dela, gostava dele. Num segundo consegue numerar diversas qualidades. Sinto ciúmes. Eu também a faço rir, faço bem. O cara não era nada de demais. Era mais um dos problemas que ela trazia pra que eu a ajudasse resolver.

Me sinto mal quando ela faz isso e me coloca no devido lugar. É como se nada pudesse crescer dentro de mim. Somos amigos. Ponto. Confesso que é difícil imaginar alguma coisa entre a gente. Os amigos dizem que combinamos. Que sou tipo um anjo na vida dela. Ela, inclusive já disse isso. Sentada, mexe no celular a procura de alguma mensagem. Conversamos coisas mais amenas agora.

Num segundo em que vou no quarto pegar algo para mostrá-la, ouço os soluços. Começou a chorar. De novo por causa do cara? Meu Deus, quando as mulheres vão conseguir parar de chorar por cafajestes e abrirem os olhos? Pego um copo com água e açúcar, envolvo-a em meus braços e digo que tudo vai ficar bem. Não sei em que momento acontece, mas a gente se beija. Simples, bonito e um desejado beijo entre dois amigos.

Preciso ir, diz. Na mesma velocidade em que entrou, se vai. Sem compreender direito o que houve, me pego olhando pro espelho e, agora, quem xinga sou eu. Não aceito o que fiz. Como pude ter avançado, ido tão longe? Eu não precisava estragar tudo. Tento refazer os poucos segundos que passamos com as bocas juntas e relembro uma mão em minha nuca, um morder nos meus lábios. Ela queria o beijo, penso comigo tentando me convencer. A consciência sente dor.

Não marco o tempo. Sei que o telefone toca. Abre a porta, diz a voz dela do outro lado da linha. Por que você não toca a campainha e vem fazer um estrago na minha vida de novo?, pergunto. Porque você acabou de estragar a minha, ela responde. Pelo olho mágico eu a vejo. A fechadura anseia ser virada. Ela está em pé, me olha de cima à baixo. Como eu demorei tanto a perceber?, cada um se pergunta.

E eu descubro que além de poder ser seu grande amigo, eu posso ser seu grande amor. 




- Gustavo Lacombe



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